25 de mai. de 2011

Acabou de me surgir na cabeça o seguinte questionamento: Qual é a primeira consequência tanto política quanto econômica de uma manifestação pública?

Trânsito, Fluxo, Ordem & Desordem

Se avaliarmos uma manifestação como uma passeata, por exemplo, sabemos que o efeito mais imediato, tanto político quanto econômico, é a diminuição do fluxo de trânsito de automóveis da cidade. É importante então que se pense o que é o trânsito, o fluxo e o carro... e posteriormente a idéia de ordem e desordem atrelada a esses, tão comumente, atrelados termos
Falamos e ouvimos, que aquela ou essas “Obras vão melhorar o fluxo do trânsito”. O Trânsito aqui é visto como um determinado modo de locomoção já estabelecido: o trânsito é o trânsito dos carros, das bicicletas, dos andarilhos, enfim, o trânsito visto sob uma perspectiva de determinado meio de locomoção e não visto sobre a perspectiva das pessoas, trabalhadores, estudantes, enfermeiros, carteiros, em trânsito, na sua diversidade em movimento.
Mesmo pensando num debate sobre o trânsito, ou numa mais correta utilização do termo Trânsito... aquilo que está em trânsito, por sua vez, é , contraditoriamente, também, algo que não pode assumir mudanças. Há algo em trânsito, mas sem transição possível, nem sequer possível de ser questionado, por parte de uma parcela de participantes. O trânsito parece ser, a uma primeira vista, estruturado-organizado para determinados meios de locomoção, caminhos e itinerários, e numa outra perspectiva, também, o trânsito é aquilo que está em constante movimento.
Chamar de trânsito padrões mercadológico-logísticos de movimentação, é conveniente, apenas, aos atuais influentes organizadores do sistema produtivo e seus representantes dentro da política institucional. Trânsito visto desse modo é o trânsito de uma interpretação pautada nas finalidades últimas do acúmulo de Capital
A idéia de fluxo, por sua vez, para um ou para outro sentido, só é possível quando imaginamos que algo passa, por algum lugar, portanto, tem um referencial. É por um canal que passa um fluxo-de-água, por um fio condutor passa um fluxo-de-elétrons. O fluxo também sempre deve estar ligado a algo que está em fluxo.
O trânsito, no entanto, pode assimilar ordem e desordem dentro de uma mesma forma: assim temos a desordem ou a ordem pelos fluxos contidos nas ruas, no qual, no fim das contas, carros estão em trânsito. Temos ordem ou desordem de fluxo dentro de um prédio, no qual trabalhadores transitam a pé. Temos ordem ou desordem nos céus, quando imaginamos o fluxo de aviões que passam por cima de nossas cabeças, mas que possuem uma organização de rotas, um determinado esquema já estipulado, vias aéreas.


Ordem e desordem

A idéia de desordem pública, contemporânea, fica diretamente associada a interrupção do fluxo intermediado pelo carro e pelo itinerário típico do trabalho-para-casa, ou da casa-para-o-trabalho (poderíamos dizer, por veze, do trabalho-ao-trabalho, pois hoje a expansão das divisas do tempo de trabalho em nossa sociedade e a descentralização de determinadas profissões, deixam-nos confusos se estamos ou não trabalhando). A idéia de ordem, pelo contrário, aproxima-se, não da idéia geométrica de harmonia ou outras referentes a ordem como princípio abstrato, mas da ordem estabelecida, um statum quo que mantém as pessoas enquadradas disciplinadamente pelos contornos e itinerários do dia-a-dia. Estes, por sua vez, são pautados pelas projeções do urbanismo e pela logística do fluxo de mercadorias.
Ao misturarmos a idéia de ordem matemática a idéia de ordem social, nasce um monstro moral que raciocina dedutivamente e só enxerga critérios binários (verdadeiro ou falso), acerca de questões que deveriam ser pautadas e discutidas pela sociedade comum um todo.
A idéia de trânsito, atualmente, corrobora com a perspectiva da ausência de participação e de debate público sobre política e economia. O trânsito, dessa forma mercadológica e logisticamente entendido, incluí a todos como indivíduos, mas não como participantes ativos que poderiam deliberar sobre as possibilidades de fluxo numa cidade. Ela impede, no final das contas, que pensemos e nos conflitemos com o nosso próprio modo de vida e os males que eles trazem a sociedade.
Por que o BlackBloc é como é?


Poucos leitores talvez tenham presenciado ou participado de uma passeata ou manifestação, revindicando uma pauta de interesse público. No nosso país e no mundo, manifestações ocorrem diariamente se opondo as opressões sofridas, de diversas formas, cujos alvos são trabalhadores, campesinos, jovens, negros, homosexuais, enfim, pessoas submetidas as estruturas densas de poder econômico-político que transformam a vida de todos nós a todo momento, por vezes sem percebermos.

Não obstante a diversidade de manifestações pelo mundo a fora, muitas pessoas, historicamente falando, debruçaram-se sobre essa diversidade de atos. tentando enxergar alguma relação que pudesse explicar por que, a tanto tempo, as manifestações públicas e legítimas de pessoas que se sentiam oprimididas pelo sistema dominante, quase sempre tinham como resposta não a obtenção dos direitos requeridos, mas sim o gesto repressivo do Estado e da polícia... que só saberia dialogar através de bombas de gás lacrimogêneo e carícias de cassetete.

Uma das formas de luta nascidas dessas reflexões sobre o enfrentamento entre a sociedade em manifestação e o aparato estatal foi o Black Bloc (Bloco Negro). Geralmente, associada aos movimentos anarquista e autonomista da década de 80 em diante, ela se caracteriza por uma forma típica de atuação em manifestações coletivas públicas.

Nas passeatas e nas ruas, o B.Bloc, a olhos avessos a reflexão, podem parecer apenas como mais um bando de baderneiros. Infelizmente, a visão mais geral de qualquer manifestação pública é essa: “são todos um bando de baderneiros”, parafraseando um não-colega de profissão. Mas essa classificação só ocorre pois as manifestações e passeatas de estudantes, jovens e trabalhadores, em geral, trazem mensagens concorrentes àquelas alardeadas pela grande mídia e acabam, assim, questionando, ainda que pouco, o próprio poder dos grandes meios de comunicação em comunicar e mais ainda em identificar problemas de fato preocupantes para sociedade.

Apesar da mídia possuir a função de disseminar idéias, ela também as filtra, seleciona e pode também, com seu poder de capitação de imagens, registrar determinadas cenas ou não, torna-las públicas ou não. Imaginemos, por exemplo, uma manifestação reivindicando determinada demanda estudantil, que tenha a presença ilustre de repórteres de TV, e a presença ilustre, mas não convidada da polícia... Pois bem, em tempos de acirramento dos conflitos, como houve muitos em nossa história, os meios de comunicação de massa e o aparato repressor de idéias e atos, agiram conjuntamente: os registros das cenas, que eram monopolizadas apenas pelos grandes meios de comunicação, jornais, e TV, serviam para identificar pessoas que estavam envolvidas com o movimento. O período da ditadura militar, em diversos países e aqui no Brasil possui diversos exemplos dessa “associação”.

Partindo da análise de situações históricas, como essa, o movimento Black Bloc encontrou algumas possíveis formas de resistir a essa grande barreira que é o poder de identificar e punir exemplarmente pessoas que participam de manifestações públicas legítimas, adotando um modo e um objetivo: um meio e um fim: Tanto para defender o direito que a passeata reivindica quanto para defender o direito ao ato em si.

O objetivo dos Black Blocs, portanto, é deixar claro que as manifestações e reivindicações populares devem ter espaço na sociedade e devem expressar suas mensagens ao máximo possível de pessoas, sem que isso signifique um problema de legalidade. Indissociado, teórica e praticamente desse objetivo está a idéia de que os movimentos reivindicatórios acabam tendo sua autonomia limitada pelos conflitos sempre tão revisitados com a polícia.

O meio de agir dentro dessa situação conflitante, ao mesmo tempo em que prosseguisse a manifestação legítima, seria, surgido qualquer início de enfrentamento com a polícia, que o enfrentamento fosse um conflito em que os manifestantes não se isolassem ou agissem espontaneamente. A perspectiva é de ação sempre em grupo, mesmo para o enfrentamento. Assim é que se justificam as vestimentas, geralmente, pretas e os panos tão característicos dos participantes dessas manifestações, eles servem para garantir a integridade contra as possibilidades de identificações isoladas. Um ativista de black bloc só quer ser reconhecido por sua pauta e é ela que impulsiona coletivamente os participantes do ato...

Posto isso, então, por que punir individualmente e exemplarmente um indivíduo de uma manifestação de luta por interesses públicos legítimos, como a necessidade de educação, o acesso a moradia, aos bens materiais mais básicos? Respondo imaginando que talvez seja essa a única forma de encontrar uma “ilegitimidade” no ato ou a única forma de fazer com que as pessoas, espectadoras do que se passou, engulam a idéia de que o protesto - como um todo - foi obra típica dos baderneiros de sempre. Pois, se há isolamento dos indivíduos no movimento, a mídia pode editar, recortar melhores enquadramentos da cena, que favoreçam a imagem da polícia como mantenedora de ordem pública, etc... Apesar de sabermos que, há muito tempo, a ordem que a polícia defende não é nem um pouco pública: ela defende uma ordem privada que priva as pessoas o acesso a educação, a saúde, a terra, e a uma série de direitos inalienáveis.

Na verdade, o enfrentamento contra bombas de gás lacrimogênio, uniformes e balas de borracha é, de fato, apenas um episódio de uma luta muito maior, que se dá a todo instante... na nossa escola, no nosso trabalho, nas nossas vidas, a qual chamamos luta de classes e que se manifesta por diversas formas.


O.L.P.